Pode-se dizer que, na Bahia, tudo o que reluz é ouro? O estado se mantém como um dos polos estratégicos e privilegiados da mineração no país, com reservas que muitos lugares do mundo gostariam de ter. O bem precioso não é apenas uma riqueza natural, mas também uma oportunidade econômica capaz de gerar empregos e movimentar investimentos.
Na ficção, a busca incessante pelo ouro alimentou, por muitos anos, o imaginário coletivo das pessoas. Nos desenhos animados, era comum ver Tio Patinhas nadando em moedas reluzentes, Pica-Pau se metendo em confusões por conta de minas valiosas ou episódios de Tom & Jerry, Caverna do Dragão e Scooby-Doo, onde o mapa do tesouro guiava toda a rota.
Em telenovelas como Império, Novo Mundo e O Outro Lado do Paraíso, o ouro não é apenas um símbolo de riqueza, mas também de sonhos, conquistas e ambições. Já nos filmes, esse bem precioso é retratado como a chave para grandes aventuras, como em Indiana Jones ou Piratas do Caribe, levando os personagens a jornadas épicas, repletas de perigos e mistérios.
Na Bahia, a mineração de ouro não fica apenas nas telinhas (ou nas telonas). O estado ocupa, atualmente, a terceira posição no ranking nacional referente a produção, com minas espalhadas por cidades como Jacobina, Brumado, Santaluz e Barrocas, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), enviado ao BNews pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE).
A corrida pelo ouro
A corrida pelo ouro na Bahia começou no período colonial, no século XVII, quando os primeiros indícios do metal foram encontrados na região da Chapada Diamantina, conforme aponta o historiador Ricardo Carvalho.
“A Bahia viveu a sua própria corrida do ouro, marcada por uma intensa mobilização de colonos, bandeirantes e trabalhadores escravizados, que buscavam enriquecer com a extração do metal”, contou ele.
“Era um período de expansão da coroa portuguesa, que buscava novas fontes de riqueza, além do açúcar, já em declínio desde a saída dos holandeses daqui no mercado internacional. O impacto inicial foi grande. Povoados foram se transformando em vilas e a região interiorana da Bahia começou a receber grandes fluxos migratórios de trabalhadores”, continuou o historiador, ressaltando que a região ampliou suas rotas comerciais.
Após os ciclos iniciais da mineração colonial, a exploração do ouro na Bahia passou por um período de declínio entre o século XIX e o século XX, quando a tensão econômica se voltou mais para o cacau, para o fumo e, posteriormente, para o petróleo, conforme aponta o historiador. A retomada aconteceu na segunda metade do século XX, com maiores investimentos na mineração industrial, a partir da instalação de grandes empresas em municípios baianos.
Dados da ANM apontam que, entre 2019 e 2024, o estado comercializou 53,9 toneladas de ouro, com destaque para o município de Jacobina, responsável por mais da metade do volume produzido no período — cerca de 34,8 toneladas. Na sequência aparecem Barrocas (13,2 toneladas), Santaluz (5,2 toneladas) e Araci (495 kg). Teofilândia e Gentio do Ouro tiveram produção pontual em 2019 e 2023, respectivamente.
Impactos atuais na economia
O setor movimentou expressivas cifras em Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). No acumulado de cinco anos, as mineradoras que atuam na Bahia repassaram R$ 235,6 milhões em tributos, dos quais 60% ficam com os municípios produtores e 15% com o estado. Só Jacobina recolheu R$ 156 milhões em CFEM.
Atualmente, quatro empresas respondem pela atividade: Jacobina Mineração e Comércio Ltda, Fazenda Brasileiro Desenvolvimento Mineral Ltda, Santa Luz Desenvolvimento Mineral Ltda e Akku Mining Mineração e Comércio de Minerais SPE Ltda. A atividade emprega diretamente cerca de 4.500 trabalhadores entre efetivos e terceirizados, concentrados em Jacobina (2.925), Barrocas (700), Santaluz (600) e Araci (300).
“Em média, 23% da produção mineral baiana é de ouro, uma fonte geradora de empregos diretos, visto que, para cada um emprego direto gerado, 11 outros empregos indiretos são criados, de acordo com a Companhia Baiana de Produção Mineral (CBPM)”, pontua o professor e consultor de Economia e Finanças (economista), Antonio Carvalho, informando que a SDE estima investir, em 2025, 10 bilhões na produção de minério e gerar mais de 10 mil empregos.
“Os salários pagos pelo setor, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), são duas vezes e meia maiores que os salários médios de outros setores da economia. Isso contribui significativamente para o aumento de renda e contribui para o desenvolvimento da região, com os serviços, bares, restaurantes, hotéis, pousadas, incentivando e impulsionando o setor da construção civil, gerando valorização para a região”, continuou o economista.
endo, no final das contas, uma importante fonte de royalties e de recursos para as prefeituras do interior do estado da Bahia”, explicou.
Além da arrecadação fiscal, o economista destaca o compromisso com os impactos ambientais. “A legislação brasileira e mundial obriga as empresas que fazem esse tipo de atividade a realizarem atividades de sustentabilidade e investimentos de compensação financeira nas regiões onde as jazidas estão localizadas. E isso traz, sem dúvidas, capacidade de investimento, arrecadação e benefício para os municípios sedes”, afirmou.
Exportações em alta
Até 1918, final da Primeira Guerra Mundial, o ouro era considerado a moeda internacional. Ou seja, as transações internacionais entre nações eram feitas baseadas no ouro, conforme aponta o economista.
“O grande problema é que o ouro, embora seja muito valioso, é um bem físico, de difícil movimentação. Mesmo com a substituição pelo dólar norte-americano, que acabou em 1944 se confirmando no Tratado de Bretton Woods, como a moeda internacional, o ouro continua sendo muito valioso. É considerado, em termos de volume, o metal mais valioso do mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, têm um forte exército que guarda sua reserva”, lembrou.
Entre 2019 e 2024, o estado exportou, segundo a ANM, 54,3 toneladas, gerando US$ 3,02 bilhões em receita. O maior comprador foi o Canadá, com 38.001 kg, totalizando US$ 2,21 bilhões. Em seguida aparecem a Suíça, com 15.691 kg e US$ 786,5 milhões; a Índia, com 576 kg e US$ 20,7 milhões; a Bélgica, com 21 kg e US$ 1,5 milhão; os Estados Unidos, com 20 kg e US$ 1 milhão; e os Emirados Árabes Unidos, com 18 kg e US$ 1,4 milhão.
Só em 2024, a Bahia registrou seu melhor desempenho da série histórica recente, com 10,5 toneladas exportadas e receita de US$ 747 milhões. “Em termos de mercado internacional, o ouro extraído da Bahia tem papel muito importante na exportação de brasileiras. O metal é vendido para o mercado financeiro e indústrias em diferentes países. Isso consolida a Bahia como um dos produtores desse valioso metal na nossa balança comercial”, disse o historiador.
Entre janeiro e julho de 2025, os resultados também se mostraram expressivos. “As exportações minerais baianas totalizaram 754,48 milhões de dólares. Destes, 444,81 foram de ouro no primeiro semestre de 2025, uma alta 32% de acordo com a SDE”, diz o economista.
E em Salvador?
A capital baiana foi um ponto estratégico para a expansão do mineral nos primeiros anos. “Como capital da colônia até 1763, Salvador recebia parte do ouro baiano para controle e escoamento. E, socialmente, o ciclo do ouro baiano esteve profundamente ligado à exploração da mão de obra escravizada, tanto africana quanto indígena. A extração do metal acentuou muitas desigualdades, mas também favoreceu a circulação de moeda e acabou financiando parte das elites locais, assim impulsionando a atividade comercial”, lembra o historiador.
Embora a exploração direta do ouro não tenha ocorrido de forma significativa, a cidade ainda possui resquícios do bem precioso. “Podemos ver o ouro na arquitetura barroca, na ornamentação das igrejas, como a São Francisco e a Rosário dos pretos, que receberam ouro como elemento decorativo. Essa ligação entre o ouro e a religiosidade é muito interessante e o barroco é a melhor expressão disso. A mineração, direta ou indiretamente, se entrelaça com a história cultural do Estado”, concluiu o historiador.
Fonte: Bnews