Uma comissão de investigação da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou nesta terça (16/09) que Israel cometeu genocídio contra palestinos em Gaza.
O novo relatório dessa comissão aponta que há motivos razoáveis para concluir que 4 dos 5 atos genocidas tipificados pelo direito internacional foram cometidos desde o início da guerra contra o Hamas em 2023: matar membros de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, causar graves danos físicos e mentais, impor deliberadamente condições destinadas a destruir esse grupo e impedir nascimentos.
O documento da ONU cita declarações de autoridades israelenses e o padrão de conduta das forças de Israel como evidências de uma intenção genocida.
O Ministério das Relações Exteriores de Israel rejeitou o relatório, classificando-o como “distorcido e falso”.
Um porta-voz israelense acusou os três peritos da comissão de atuarem como “representantes do Hamas” e de se basearem “inteiramente em falsidades do Hamas, lavadas e repetidas por outros”, que já teriam sido “amplamente desmentidas”.
“Em total contraste com as mentiras do relatório, o Hamas é o lado que tentou cometer genocídio em Israel — assassinando 1.200 pessoas, estuprando mulheres, queimando famílias vivas e declarando abertamente seu objetivo de matar todos os judeus”, acrescentou.
O Exército israelense lançou a ofensiva em Gaza após o ataque sem precedentes do Hamas contra o sul de Israel, em 7 de outubro de 2023, quando cerca de 1.200 pessoas foram mortas e 251 feitas reféns.
Desde então, ao menos 64.905 pessoas morreram em ataques israelenses em Gaza, segundo o Ministério da Saúde local, administrado pelo Hamas.
A maioria da população em Gaza foi deslocada diversas vezes; estima-se que mais de 90% das casas estão danificadas ou destruídas; os sistemas de saúde, água, saneamento e higiene entraram em colapso; e especialistas em segurança alimentar apoiados pela ONU declararam estado de fome na Cidade de Gaza.
A Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre os Territórios Palestinos Ocupados foi criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2021 para investigar supostas violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos.
O painel de três especialistas é presidido por Navi Pillay, ex-chefe de direitos humanos da ONU e ex-presidente do tribunal internacional para o genocídio de Ruanda.
Em seu relatório mais recente, a comissão afirma que autoridades e forças israelenses cometeram 4 dos 5 atos de genocídio definidos pela Convenção de Genocídio de 1948 contra um grupo nacional, étnico, racial ou religioso — neste caso, palestinos em Gaza:
Matar membros do grupo por meio de ataques a objetos protegidos, ataques a civis e outras pessoas sob proteção, além da imposição deliberada de condições que provoquem mortes.
Causar danos físicos ou mentais graves a membros do grupo por meio de ataques diretos contra civis e objetos protegidos, maus-tratos severos a detidos, deslocamentos forçados e destruição ambiental.
Impor condições de vida destinadas à destruição do grupo, total ou parcial, pela destruição de estruturas e terras essenciais aos palestinos, eliminação e bloqueio de acesso a serviços médicos, deslocamentos forçados, impedimento da chegada de ajuda, água, eletricidade e combustível, violência reprodutiva e medidas específicas que afetam crianças.
Adotar medidas para impedir nascimentos, como no ataque de dezembro de 2023 à maior clínica de fertilidade de Gaza, que teria destruído cerca de 4 mil embriões, além de 1 mil amostras de esperma e óvulos não fertilizados.
Para configurar o crime de genocídio segundo a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, é necessário comprovar que o autor cometeu um dos atos previstos com a intenção específica de destruir, no todo ou em parte, um grupo.
A comissão da ONU afirma ter analisado declarações de líderes israelenses e alega que o presidente israelense, Isaac Herzog, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant “incitaram a prática de genocídio”.
Segundo o relatório da comissão da ONU, “a intenção genocida foi a única inferência razoável” a partir do padrão de conduta das autoridades e forças de segurança de Israel em Gaza. Esse padrão incluiria mortes intencionais e ferimentos graves em número sem precedentes de palestinos com uso de armamentos pesados; ataques sistemáticos e generalizados a locais religiosos, culturais e educacionais; e a imposição de um cerco para provocar fome na população.
O governo de Israel afirma que suas ações têm como alvo apenas a estrutura militar do Hamas, não a população de Gaza. Diz ainda que suas forças atuam em conformidade com o direito internacional e adotam todas as medidas possíveis para reduzir danos a civis.
“Já em 7 de outubro de 2023, o premiê Netanyahu prometeu impor uma ‘vingança poderosa’ em ‘todos os lugares onde o Hamas estivesse implantado, escondido e operando; aquela cidade perversa, nós a reduziremos a escombros'”, disse Navi Pillay, presidente da comissão, em entrevista à BBC.
“Seu uso da expressão ‘cidade perversa’ na mesma declaração indicava que ele via toda a Cidade de Gaza como responsável e alvo de vingança. E ele disse aos palestinos para ‘sair agora porque vamos atuar com força em todos os lugares’.”
Pillay acrescentou à BBC: “Levamos dois anos para reunir todas as ações e estabelecer constatações factuais, verificar se de fato ocorreram… São apenas os fatos que conduzem a conclusão. Só é possível enquadrar na Convenção do Genocídio se os atos forem cometidos com essa intenção”.
De acordo com a comissão, os atos de líderes políticos e militares de Israel são “atribuíveis ao Estado de Israel”, que portanto “tem responsabilidade pela falha em prevenir o genocídio, pela prática de genocídio e pela falha em punir o genocídio”.
O relatório também alerta que todos os demais países têm obrigação imediata, segundo a Convenção, de “prevenir e punir o crime de genocídio”, com todos os meios disponíveis. Caso contrário, podem ser considerados cúmplices.
“Não chegamos a nomear partes como co-conspiradoras ou cúmplices em genocídio. Mas esse é o trabalho em andamento desta comissão. Chegaremos lá”, disse Pillay.
Diversas organizações internacionais e israelenses de direitos humanos, especialistas independentes da ONU e acadêmicos também acusaram Israel de genocídio contra palestinos em Gaza.
Enquanto isso, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) analisa um processo movido pela África do Sul que acusa as forças israelenses de genocídio. Israel classifica o caso como “totalmente infundado” e baseado em “alegações tendenciosas e falsas”.
Fonte: BBC News