Imagine se ver, de repente, incapaz de realizar tarefas básicas como carregar uma sacola do supermercado para casa, ou com dores intensas ao escovar os dentes, e ter calafrios só de pensar que irá precisar subir as escadas. A fadiga extrema e as dores viraram rotina para a psicóloga Déa Oliveira, que percebeu que algo estava errado com seu corpo pela primeira vez em 2019. Após muitas idas a médicos, ela descobriu a causa de seu cansaço tão forte: a miastenia gravis generalizada. A doença autoimune é considerada rara pela medicina.
Déa percebeu que algo não estava bem com seu corpo, e que o cansaço persistente passou a ser cada vez mais limitante. “No Réveillon daquele ano [2019], eu fiquei afônica por mais de 20 dias, achei que estava gripada. Depois veio a visão dupla, e eu achei que precisava trocar os óculos. Mas nada resolvia”, lembra. “Eu não conseguia mais correr com meu cachorro, às vezes não conseguia nem trabalhar. Mas, para mim, aquilo era um cansaço da minha rotina”.
Ir no supermercado e voltar com uma sacolinha a pé, era uma viagem sem fim. Eu tinha, às vezes, que sentar na rua, esperar o cansaço melhorar, e teve vezes, que eu tinha que ligar para o meu marido e pedir para ele me buscar.”
Demora até o diagnóstico
O diagnóstico, no entanto, demorou a chegar. Até que fosse confirmada a miastenia gravis generalizada, Déa passou por quatro neurologistas diferentes.
Segundo ela, foram seis meses até ela receber o diagnóstico correto e iniciar o tratamento.
O que á miastenia?
A miastenia gravis atinge a chamada junção neuromuscular — o ponto de comunicação entre nervos e músculos.
O corpo produz anticorpos que atacam essa região, prejudicando a transmissão dos sinais e provocando fraqueza muscular,explica o neurologista Dr. Marcondes França, chefe do Departamento de Neurologia da Unicamp.
Entre os sintomas mais comuns estão a queda de pálpebra, visão dupla, dificuldades para falar, mastigar, engolir e, em casos graves, até respirar.
Estima-se que a doença tem ocorrência de 100 a 200 casos a cada milhão de pessoas pelo mundo. Por isso, ela pode ser considerada rara.
Alívio ao saber
Além da gravidade da condição, outro desafio é o diagnóstico. “Muitos pacientes ficam anos circulando pelo sistema de saúde sem resposta. A estimativa média é de até dois anos de atraso, porque os sintomas podem ser confundidos com problemas oftalmológicos, ortopédicos ou de fala, e só mais tarde chegam ao neurologista”, afirma França.
No caso de Déa, a confirmação da doença foi, de certa forma, um alívio: “Eu pensei: agora tem nome e sobrenome. Agora dá para tratar. O pior era não saber.” Desde então, ela iniciou tratamentos com peridostigmina, corticoides e imunossupressores, além de uma cirurgia para retirada do timo. Embora os medicamentos ajudem a controlar os sintomas, os efeitos colaterais pesaram. “Eu cheguei a 93 quilos, olhava no espelho e não me reconhecia. Roupa não servia, meu rosto virou uma bola. Foi muito difícil”, conta.
Mesmo assim, Déa aprendeu a lidar com os limites do corpo. Hoje, consegue levar uma vida próxima do normal, dentro das adaptações necessárias. “Às vezes eu esqueço que tenho a doença e extrapolo. Aí preciso de dois, três dias de repouso para me recuperar. Mas aprendi a escutar os sinais: quando a fadiga vem, é hora de parar”, diz.
Medicamento foi aprovado pela Anvisa
Enquanto pacientes como Déa lutam diariamente para equilibrar tratamento e qualidade de vida, a ciência avança. A Anvisa aprovou, em setembro, o IMAAVY™ (nipocalimabe), primeiro e único bloqueador de FcRn disponível no Brasil.
O medicamento pertence a uma nova classe terapêutica que atua diretamente na causa da doença, reduzindo os anticorpos nocivos sem comprometer toda a imunidade do paciente. Em estudos clínicos, mostrou melhora rápida e sustentada dos sintomas, mantida por até 84 semanas.
Para França, trata-se de um marco. “O nipocalimabe é uma terapia-alvo, mais precisa e com menos efeitos colaterais que os corticoides. É uma novidade muito importante depois de tantos anos sem avanços significativos para a miastenia”, afirma.
Déa vê com esperança. “Meu diagnóstico não me define. A partir dele, eu construí redes, conheci pessoas e encontrei formas de ajudar outras que passam pela mesma situação. O novo medicamento acredito que vem como uma solução para muitas pessoas com a miastenia, vai dar uma qualidade de vida a mais”, diz.
Fonte: Portal terra